Wednesday, May 23, 2007

PECADO ORIGINAL

A noção de pecado e tudo o que lhe está associado é o pilar fundamental da religião cristã e goza por isso mesmo de uma universalidade a todos os titulos invejável. Permanece contudo um mistério para mim até que ponto as pessoas conseguem aceitar tão acriticamente um conceito tão absurdo sem pararem um pouco para reflectir e questionar os fundamentos que lhe estão subjacentes. Acham verdadeiramente que nós somos "pecadores" porque algures há milénios uma senhora chamada Eva( por causa das más companhias) resolveu "tentar" um senhor chamado Adão e este(como todos os homens) resolveu fazer-lhe a vontade? O que ele fez foi assim tão grave que justificasse tudo o que veio depois? Será que alguém no seu perfeito juizo acredita que nós andamos ainda hoje a pagar as consequências de tal acontecimento? E que as crianças nasçam em "pecado" desde então? É aceitável que algum disparate que eu faça hoje tenha repercussões negativas na minha descendência durante milénios? O absurdo destas proposições deixa-me estupefacto mas é indiscutivel que nesta questão faço parte da minoria ou não fosse o ritual do baptismo ainda hoje tão popular. A ideia de pecado e a profunda e perturbadora influência que ainda hoje ela exerce em milhões de pessoas é um dos maiores atentados ao bom senso, à razão e aos mais nobres sentimentos do ser humano. Foi mesmo responsável por algumas das páginas mais negras da história da Humanidade e não me refiro apenas à Inquisição. Graças à institucionalização dessa ideia, foi e ainda é possivel a exploração fisica, mental e económica de multidões que viram a sua ignorância e o seu sofrimento capitalizados em prol de uns poucos. Se hoje já não se pode "comprar" um lugar no céu como antigamente, o negócio em volta de aparições, promessas e milagres continua próspero e o comércio de favores, pedidos e promessas para satisfação de sonhos, desejos e ambições está para lavar e durar. O conceito de pecado não explica tudo mas é indiscutivel que toda a mitologia cristã assenta nesse pressuposto e suas ramificações. Afinal porque é que o Filho teve que morrer crucificado? Não foi para redenção dos pecados da Humanidade? Embora seja dificil perceber de que forma a morte na cruz expiou esses pecados(só nesse dia morreram pelo menos mais dois e sabe-se que os romanos não eram nada meigos nessa matéria e não inventaram a crucificação de propósito para aquele evento), é sobre esse acontecimento deveras singular que repousa todo o edificio conceptual que suporta a teologia cristã e é dele que irradiam todas as respostas que o crente dá às suas angústias. No entanto, se o problema fica resolvido para os que vieram depois e acreditam, que sucede às pessoas que morreram antes da vinda do Filho? Foram redimidas retroactivamente? A própria ideia de redenção desafia os principios mais elementares da razoabilidade e da sensatez: redimir como, porquê e para quê? O sacrificio do Filho não constitui um exclusivo ou sequer um absoluto de sofrimento e, infelizmente, existem e existiram ao longo da História milhões de pessoas igualmente sujeitas a mortes horriveis, muitas vezes também após longos periodos de tortura. Não se percebe bem o que torna aquele sofrimento em concreto tão especial. Se o objectivo era absolver-nos dos pecados que estigmatizam a nossa condição, porque nos fez assim, humanos e faliveis? E não sabia já Ele, omnisciente, omnipotente, que tinha mesmo que se crucificar? Saberiam os dois, ou o Pai escondeu essa informação do Filho?

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