Thursday, May 24, 2007

DE CORPO INTEIRO

Observando a dificil relação entre sexualidade e religião não podemos deixar de perguntar se o Filho esteve realmente entre nós de corpo inteiro.

BALANÇO

Se o maior pecador do mundo se arrepender sinceramente mesmo à hora da morte e expirar no preciso momento em que o seu registo pecatorial estiver imaculado e o maior santo tiver o azar de manchar o cadastro quando estiver a entregar a alma ao criador, ainda que com um pecadilho venial insignificante, qual estará mais perto da graça divina e da recompensa eterna?

Wednesday, May 23, 2007

PECADO ORIGINAL

A noção de pecado e tudo o que lhe está associado é o pilar fundamental da religião cristã e goza por isso mesmo de uma universalidade a todos os titulos invejável. Permanece contudo um mistério para mim até que ponto as pessoas conseguem aceitar tão acriticamente um conceito tão absurdo sem pararem um pouco para reflectir e questionar os fundamentos que lhe estão subjacentes. Acham verdadeiramente que nós somos "pecadores" porque algures há milénios uma senhora chamada Eva( por causa das más companhias) resolveu "tentar" um senhor chamado Adão e este(como todos os homens) resolveu fazer-lhe a vontade? O que ele fez foi assim tão grave que justificasse tudo o que veio depois? Será que alguém no seu perfeito juizo acredita que nós andamos ainda hoje a pagar as consequências de tal acontecimento? E que as crianças nasçam em "pecado" desde então? É aceitável que algum disparate que eu faça hoje tenha repercussões negativas na minha descendência durante milénios? O absurdo destas proposições deixa-me estupefacto mas é indiscutivel que nesta questão faço parte da minoria ou não fosse o ritual do baptismo ainda hoje tão popular. A ideia de pecado e a profunda e perturbadora influência que ainda hoje ela exerce em milhões de pessoas é um dos maiores atentados ao bom senso, à razão e aos mais nobres sentimentos do ser humano. Foi mesmo responsável por algumas das páginas mais negras da história da Humanidade e não me refiro apenas à Inquisição. Graças à institucionalização dessa ideia, foi e ainda é possivel a exploração fisica, mental e económica de multidões que viram a sua ignorância e o seu sofrimento capitalizados em prol de uns poucos. Se hoje já não se pode "comprar" um lugar no céu como antigamente, o negócio em volta de aparições, promessas e milagres continua próspero e o comércio de favores, pedidos e promessas para satisfação de sonhos, desejos e ambições está para lavar e durar. O conceito de pecado não explica tudo mas é indiscutivel que toda a mitologia cristã assenta nesse pressuposto e suas ramificações. Afinal porque é que o Filho teve que morrer crucificado? Não foi para redenção dos pecados da Humanidade? Embora seja dificil perceber de que forma a morte na cruz expiou esses pecados(só nesse dia morreram pelo menos mais dois e sabe-se que os romanos não eram nada meigos nessa matéria e não inventaram a crucificação de propósito para aquele evento), é sobre esse acontecimento deveras singular que repousa todo o edificio conceptual que suporta a teologia cristã e é dele que irradiam todas as respostas que o crente dá às suas angústias. No entanto, se o problema fica resolvido para os que vieram depois e acreditam, que sucede às pessoas que morreram antes da vinda do Filho? Foram redimidas retroactivamente? A própria ideia de redenção desafia os principios mais elementares da razoabilidade e da sensatez: redimir como, porquê e para quê? O sacrificio do Filho não constitui um exclusivo ou sequer um absoluto de sofrimento e, infelizmente, existem e existiram ao longo da História milhões de pessoas igualmente sujeitas a mortes horriveis, muitas vezes também após longos periodos de tortura. Não se percebe bem o que torna aquele sofrimento em concreto tão especial. Se o objectivo era absolver-nos dos pecados que estigmatizam a nossa condição, porque nos fez assim, humanos e faliveis? E não sabia já Ele, omnisciente, omnipotente, que tinha mesmo que se crucificar? Saberiam os dois, ou o Pai escondeu essa informação do Filho?

Monday, May 14, 2007

O PARADOXO DA ETERNIDADE

A ideia não é minha, julgo que a li pela primeira vez num livro de Cavanna, "As Sagradas Escrituras", mas não resisto a transcrevê-la. É simples: não se pode ser ao mesmo tempo, por definição, eterno e omnipotente. Se se é eterno, não se pode deixar de o ser nunca, caso contrário a eternidade deixaria de ser um atributo da divindade e passaria a ser uma possibilidade da mesma. Mas se se é omnipotente deve-se considerar nessa potência a possibilidade de fazer cessar a própria existência se tal se desejar e essa hipótese não deve nem pode ser excluida a priori. A incompatibilidade é óbvia. A escolha é sua.

OMNISCIÊNCIA, OMNIMPOTÊNCIA?

De entre os múltiplos atributos normalmente associados à divindade existem dois que desde sempre me despertaram particular interesse: a omnisciência e a omnipotência. Quando se diz que Deus tudo sabe e tudo pode, o que quer isso dizer concretamente? Que tem boa memória e se recorda de tudo o que é passado ou que sabe por antecipação tudo o que vai acontecer no futuro? Se assim for, que significado terá o livre arbitrio? Deus já sabia que eu ia escrever este texto antes de eu nascer, como posso eu ser julgado ou censurado por o fazer? Na verdade, o meu pecadilho é insignificante. Ele já sabia as consequências do nascimento de personagens tão sinistras e letais como Hitler, Mao e Estaline e ainda assim eles nasceram, cresceram e multiplicaram toda a espécie de pecados pelo planeta. Mesmo Judas ou Pôncio Pilatos tinham o destino traçado à partida e não poderiam deixar de fazer o que estava previsto. Se o fizessem, Ele saberia sempre por antecipação. E se é assim, porque se diz que o homem é livre de escolher o seu caminho? Se o que me acontecer ou eu fizer amanhã, para a semana ou daqui a um milhão de anos já for do conhecimento divino, não terei sido apenas um mero fantoche, mais um figurante nesta Divina Comédia? Por outro lado a omnipotência, a possibilidade de Deus fazer tudo o que lhe der na real gana, levanta questões ainda mais interessantes. Para começar, se Ele pode realmente fazer tudo, porque não criou um mundo melhor do que este, onde o ser humano fosse inevitavelmente compelido a praticar o bem e onde não existissem doenças, crimes, morte? Poderá Ele algum dia fazer , se assim o desejar, com que deixe de existir o universo tal como o conhecemos? Conseguirá extinguir o passado ou violar as leis da fisica? Aparentemente considera-se que sim, é nisso que se fundamenta a dimensão do sagrado, a experiência religiosa e o núcleo essencial da fé. Como se explicariam de outra forma os milagres? Só é pena que o poder divino que desce à terra para curar, para interceder, para ajudar, não o faça junto de quem morre à fome, de quem se atravessa à frente de um comboio ou de quem pisa uma mina e se desfaz aos bocados. Se Ele já sabia podia pelo menos avisar.

Tuesday, May 1, 2007

O ACASO E A NECESSIDADE

Deus criou o universo, dizem. Mas porque faria Ele uma coisa dessas? Por necessidade? Para se divertir? Alguém lhe fez mal? Insondáveis são os designios do Senhor...

Wednesday, April 11, 2007

MISERICÓRDIAS

O Senhor é misericordioso, dizem. Da leitura da Biblia, especialmente do Antigo Testamento, ficam algumas dúvidas e o pior ainda está para vir. A lista de pecados que nos podem levar ao inferno é enorme e o castigo não é nada agradável e dura uma eternidade. É demasiado tempo para tanta misericórdia. Por isso, nesta matéria opto pelo nosso código penal. As penas são indiscutivelmente mais leves e mais curtas. E ainda há a possibilidade de sair em liberdade condicional.

OS MILAGRES E A CIÊNCIA

O 13 de Maio já aí vem e inevitavelmente voltar-se-á a falar de milagres e de promessas a cumprir para pagamento de intervenções divinas. No espirito de muitos a questão é pacífica e resume-se a uma espécie de comércio de favores: Deus satisfaz o pedido e recebe em troca dinheiro, géneros ou sofrimento. Mas para mim há outras questões que merecem alguma atenção e que raramente são faladas e muito menos discutidas. Por exemplo, se Deus resolvesse curar um cancro, de que modo se processaria a intervenção divina? Seria necessário algum acessório e a presença de intermediários ou o Senhor agiria directamente? Os resultados surgiriam logo ou seria necessário um tratamento prolongado? Sabe-se como actuam a quimioterapia e a radioterapia mas como funcionará a teoterapia? A centelha divina manifesta-se ao nivel atómico, molecular ou celular? Questões como estas sugerem que se devia considerar a ideia de criar uma teociência que explicasse como é que Deus intervem neste mundo e de que modo a sua actuação pode ou não violar as leis da fisica ou alterar o funcionamento dos normais mecanismos biológicos. A satisfação de promessas, por outro lado, abre um campo riquissimo de reflexão que não devemos deixar em claro. E aqui os exemplos multiplicam-se à saciedade. Desde a conquista de campeonatos até à concretização de paixões passando pela entrada na faculdade ou sucesso na obtenção de emprego, há todo um universo que se agita em resposta às preces dos crentes e às intervenções arbitrárias do Criador e que merecia ser estudado pelo Vaticano. Não é isso que eles fazem com os milagres?

Monday, April 9, 2007

CRIACIONISMO

No principio era o Homem. E achando-se só, fez como as crianças que não têm com quem brincar. Inventou amigos imaginários e pediu-lhes que fizessem parte da sua vida. A seguir vieram as estorinhas e por fim os Livros. A casa ficou cheia de deuses e nenhum pagou a renda.

A UM DEUS DESCONHECIDO

Invocamos o nome de Deus para dar resposta à nossa ignorância. Tentamos espreitar além das fronteiras do tempo, saltar os muros que limitam o nosso conhecimento do cosmos. Em vão. São insondáveis os designios do Senhor e é provável que o sejam eternamente. A cada nova descoberta da ciência os atributos divinos vão encolhendo. Talvez por isso a taxa de desemprego entre os deuses seja elevadissima.

Sunday, April 8, 2007

PARA QUE SERVE A ALMA?

Morrem todos os dias. Inocentes, inconscientes, impotentes. Seres humanos por definição, claro. O melhor do mundo, dizem. Parece que trazem uma alma agarrada ao corpo embora ainda não se tenha bem a certeza. É que por tão pouco tempo não vale a pena o incómodo.

O GRANDE EXPLICADOR

É inevitável. Sempre que se discute a existência de Deus, o argumento final que é suposto rematar a contenda surge da boca do crente: "como é que explicas...?". A continuação da pergunta fica ao critério do inquiridor mas a resposta é sempre mais vaga e indefinida que o suposto mistério que pretende desvendar. Se não lhe dão nome dizem que é uma força, que é energia, que existe "alguma coisa maior que nós". A ignorância tem muitos sinónimos. Deve ser por vontade de Deus.

Saturday, April 7, 2007

E FUNCIONA

Pensemos por um segundo num mundo sem electricidade. Já está? Demos então graças à ciência por tudo o que nos deu. E por um micro-ondas, um frigorífico e um avião funcionarem da mesma maneira em Portugal, no Iraque ou no Japão. Aleluia. Ou Ámem.

ETIQUETAS

Há milhares de religiões no mundo e todas reclamam para si o exclusivo da verdade com exclusão das demais. Biliões de pessoas em todo o mundo reivindicam como suas as certezas que não possuem e mesmo os fiéis do mesmo rebanho discordam entre eles acerca da natureza e da essência da(s) divindade(s). Ninguém sabe e neste tipo de discussões não se exigem provas. Se pedirmos evidências concretas para avaliar as religiões como fazemos para comprar uma casa, ir ao médico ou fazer um seguro o mais provável é não as recebermos. E no entanto somos definidos em função do nosso credo religioso e é suposto sentirmos orgulho dessa identidade. Católicos, protestantes, judeus, islâmicos, hindus, budistas, animistas. Porquê e para quê?

A FÉ MOVE MONTANHAS

Só mais um último esforço e estaria salvo.O calor do deserto secara-lhe a boca e o corpo mas acreditou que naquela duna havia água. Teve fé, muita fé. E rezou, rezou muito. Acabou por morrer, naturalmente. Desidratado.

Wednesday, April 4, 2007

OS LIVROS E AS FRONTEIRAS

O Livro deste lado é diferente do Livro do outro lado. O papel e a tinta podem ser iguais mas os leitores não ligam a insignificâncias e levam a Palavra muito a sério. Chega a ser um assunto de vida ou de morte. Pós-vida e prò-morte. E vice-versa.

"WHO MOURNS FOR ADONAIS?"

Ninguém chora por Zeus. Nem por Hera, sua amada esposa. Não lhes fazem promessas nem lhes pedem favores ou prestam culto. Séculos passaram e ficou-nos a memória de um passado glorioso, estórias fantásticas e um local outrora sagrado. Mergulhamos em Homero e voamos até ao Olimpo. Outros livros, outras eras, outros voos.

CRENÇA

O ateismo é a forma mais sublime de fé. Acreditar na inexistência de deus não é fácil e em cada ateu há um crente desiludido. Quem não gostaria de gozar a vida eternamente, sem as privações, tristezas e sofrimento com que somos confrontados diariamente? Quem recusaria a possibilidade de ser feliz para sempre? Muito poucos, certamente. Então porquê ser ateu? Epistemologicamente a postura mais racional e honesta é ser agnóstico. Não é possivel saber se deus existe ou não e, caso exista, qual é verdadeiramente a sua essência e natureza. À falta de provas esgrimir-se-ão sempre argumentos contra e a favor mas a questão permanecerá em aberto. Para ir mais longe é preciso dar o salto de fé, comum a crentes e ateus. A diferença entre ambos está apenas no pára-quedas. E na coragem de saltar para o vazio.

Friday, March 30, 2007

A ETERNIDADE E MAIS UM DIA

Já pararam um pouco para pensar o que seria viver eternamente? Que tipo de existência seria a nossa? Tudo o que conhecemos, sentimos e vivemos tem origem no mundo fisico que nos rodeia. Os nossos prazeres, as nossas alegrias(e tristezas), os momentos que dão significado às nossas vidas só existem em função de uma realidade exclusivamente material que alimenta e limita. Que gosto pela pintura terá alguém que nunca absorveu a luz visivel do espectro electromagnético? Será um surdo capaz de ouvir e apreciar sons, música? Gostamos de comer, beber e dormir mas o facto de tirarmos prazer destas actividades não as torna menos necessárias e essenciais à mera subsistência. Mesmo sentimentos como o afecto , a mágoa, a paixão ou a ira, são experimentados pelo nosso corpo enquanto entidade corpórea, concreta, biológica. Que espaço existirá então para a alma? E qual a sua utilidade? Ainda que fosse possivel imaginar uma eternidade sem corpo não consigo deixar de pensar: A fazer o quê?

O SENTIDO DA VIDA

Alguém me perguntou há dias se não tinha medo de morrer. Claro que sim, respondi na altura. Mas pensando bem já estivemos todos mortos. Biliões de anos. E quando voltarmos ao nada, será como um regresso a casa. A vida é apenas um soluço cósmico, um espasmo na eternidade. E não há nada de especial com a morte. A vida é a excepção, não a regra.

O QUE É MEU ATEU

A necessidade de dar algum sentido e importância ao que somos fez de nós criadores de deuses; muitos e variados, para todos os gostos, desejos e necessidades. E no entanto não há ninguém que neste self-service metafisico não escolha o(s) seu(s) preferido(s) para lhe dar consolo particular deixando os restantes de lado. Verdade verdadinha é que somos todos ateus. Uns mais do que outros.